sexta-feira, 11 de julho de 2014

A minha primeira audiência como réu

     Tava nervoso. Chateado.  Um amigo advogado redigiu minha defesa e me mandou no suspense. Audiência como réu às 11:30 de sexta. O horário que eu mais sofro com minha trompa de Eustáquio aberto.  Almocei às 10:00 pra ver se evitava o transtorno. 10:30 saí. Levei Érika comigo, pra dirigir na volta caso minha situação piorasse muito.  Onze e pouco já estava no Detran. Subi a ladeirinha e parei num congestionamento. Parecia que tinha gente demais querendo estacionar. Nunca tinha visto aquilo.  Aí veio um guarda, desses de roupa cáqui, gordo e simpático, instruindo que o estacionamento tinha mudado de lugar. Agora era lá embaixo na entrada, do lado direito de quem desce. Me admirei da eficiência do nosso padrão de complicação. Por que não botavam alguém lá embaixo na entrada avisando, e esperavam que a fila chegasse até em cima pra mandar descer novamente?  Estacionei lá embaixo e voltei andando. Todo mundo tem que subir andando do estacionamento até os vários escritórios lá em cima, mas não existem passeios. É no Departamento de Trânsito, mas os pedestres têm que se arriscar pelo meio dos carros. O Juizado é a primeira porta do prédio. A mais próxima.
     Meu algoz estava sentado logo na entrada, com a mãe dele do lado. Ele tentou me cumprimentar, mas não reconheci de pronto. Imaginava que ele fosse da idade dos meus alunos, motorista sem experiência, mas agora ele parecia ter mais de 30 anos. O carro era da mãe dele, e era ela quem me botava na justiça. Mostrei a citação (o documento que recebi me intimando a comparecer como réu, o coitado) à moça do balcão. Ela olhou, checou alguma coisa, e me devolveu sem dizer uma palavra. Fiquei olhando pra cara dela, imprimindo bem na face a ideia de que estava esperando alguma orientação, e só aí ela disse: "Pode aguardar".
     Não adiantou almoçar mais cedo. O mal-estar começou como sempre.
     A minha acionante falava alto com o filho. Parecia à vontade.  Felizmente que o ar condicionado não funcionava, mas estava quente. Fui de camisa social, já que um advogado tinha me recomendado ir de paletó, para que o juiz se identificasse mais comigo, e outro advogado tinha me dito que não precisava. Não podia ir de bermuda. Sentado ali compreendi que seria muito ridículo ir de paletó, ainda mais eu que tenho ogeriza. Seria que nem se vesti com roupa de gala para a primeira viagem de avião. Mas eu comecei a suar. A testa brilhante comprometia minha beleza. Na parede, um aviso dizendo que era proibido entrar de boné, bermuda, camiseta, mini-saia e similares.  Um índio teria que arrumar roupa de branco.  Um homem de saia não teria problemas, felizmente.  Um televisão velha, com a imagem toda borrada mostrava Fátima Bernardes, mas ninguém ligava. Às 11:30 em ponto (tinham me avisado que eles são pontuais) apareceu uma mocinha muito bonita, com um frescor de cantora de fado convidando a gente a entrar.
     Só a moça, já descontraía qualquer um. Sentamos numa mesa comprida, ela na cabeceira com um computador com dois monitores. Um voltado pra nós e outro voltado pra ela. Assim a gente sabia tudo que ela estava fazendo. Ela pediu minha identidade, perguntou se havia a possibilidade de um acordo para encerrar logo. Não haveria. Perguntou aos dois se aceitavam que cada um pagasse seu amasso. Só eu aceitei, pois só deu uns riscos no canto dianteiro direito do meu carro. Mas vou entrar com recursos pra ele pagar. Dá quase 300 reais, e é muito para quem não fez nada de errado.
    Como ninguém quiz acordo, ela remarcou outra data, desta vez para nós comparecermos perante o juiz, perguntou se todos concordavam com a data e horário, e acabou. Rapidinho. Não durou nem 15 minutos. Vão aprendendo, caso o dia de vocês chegue.
    Depois que cheguei em casa fiquei pensando que, se explicasse como o filho dela me interceptou, metendo o carro bruscamente na frente do meu, talvez a mãe reconhecesse que o filho dela é que é meio problemático e deixasse essa complicação toda pra lá. A mãe dela está na UTI, coitada, e talvez nem possa comparecer na nova data. E eu aqui faltando as aulas que gosto tanto.

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