Discurso como paraninfo na formatura dos alunos de Física
da UFBa, de 2016-2
1- Agradecimento,
professores dos cursos básicos
Boa noite a todos!
Primeiramente eu
gostaria de agradecer aos alunos pelo convite para ser paraninfo da turma. Me
senti muito honrado. Comprei camisa e calça nova especialmente para a
cerimônia. E a honra é maior ainda quando considero a qualidade dos alunos que
estão se formando. Foram todos meus
alunos, e os tenho num lugar especial no meu peito. São muito queridos, mesmo. Me
lembro de que Luizão, diretor da Escola Politécnica, falando como paraninfo da
turma, ressaltou que havia muitos professores do curso básico que mereciam a
honra de ser paraninfo, mas não eram porque os alunos se lembram mais dos
professores das últimas matérias. É uma verdade.
2- Burgueses,
emoção, pesca.
No meu tempo de
estudante, considerava cerimônia de formatura como um ato de ostentação da
pequena burguesia. Era o tempo da ditadura militar, quando os estudantes
estavam muito engajados com a oposição ao sistema vigente. Me lembro que na minha formatura não houve
cerimônia. Apenas juramento, e teve um gaiato que se arvorou a representante de
toda turma, e foi lá na frente fazer um discurso com o objetivo de divertir os
colegas, e aproveitar para criticar a escola: fui eu que aqui vos falo.
Hoje, do outro
lado do jogo, penso diferente. Frequentemente sou convidado pelos alunos para
ir assistir à formatura deles, e confesso que fico muito emocionado com a
beleza do evento. É muito bonito ver os familiares emocionados com a vitória do
seus filhos e netos. Via um aluno se
abraçando com a avozinha, baixinha e simples, todos os dois chorando de alegria
pela conquista da formatura.
Acontecia às vezes
de ser um aluno desleixado, que pescava nas provas, faltava muito, nunca sabia
responder às perguntas feitas em sala, não demonstrava interesse. E estava lá,
chorando abraçado com a avó, na alegria da conclusão do curso, se sentindo um vitorioso.
Mas a maioria era
diferente. Eram bravos que venceram grandes dificuldades e cresceram emocional
e intelectualmente. Filhos e netos que conseguiram realizar o sonho que os seus
pais e avós não tiveram oportunidade, por causa da luta por coisas mais
fundamentais. Pensando nisso, passei a vir para a formatura dos alunos sempre
que fosse convidado. Mas isso tinha um preço. Ficar sentado ouvindo longos
discursos. Paraninfos, diretores, representante dos alunos... Às vezes o
diretor aproveitava a deixa da hora de encerrar a cerimônia para se alongar novamente.
Meus alunos hoje de manhã me afirmaram que não viriam para a formatura. Não têm
paciência para ouvir discursos. Deve ser bom para o paraninfo, que se aproveita
da oportunidade como se tivesse todo o tempo à sua disposição. Mas fora os
discursos, as formaturas são realmente emocionantes, e passei a valorizá-las
como festejos de uma grande vitória. É o caso desses formandos que temos aqui
hoje.
3- Brilhantes,
vencedores.
Estes formandos
são brilhantes! Uns, brilhantes pela facilidade de assimilar novos
conhecimentos, outros brilhantes pela força de vontade e capacidade de se
superar sempre mais! Certamente nós não podemos imaginar as dificuldades pelas
quais eles passaram para chegar aqui. Mas algumas dá para inferir. O sufoco
estudando para passar no vestibular da Ufba, a decepção ao entrar na faculdade
e saber que não era mais tão brilhante quanto era no colégio, a impressão de
que os professores desejam apenas mostrar que eles não sabem nada, acabar com a
confiança deles.
Mas eles são fortes!
Eles sabiam que eram competentes e que conseguiriam ir até o fim. Sabiam que
conseguiriam chegar no dia de hoje, de estar aqui na Reitoria celebrando a
vitória contra as barreiras do caminho. Essas barreiras já começam com o
sistema de ensino fundamental altamente precário, que se estende já por muitos
anos. É gritante o desnível entre o ensino fundamental e o ensino superior nas
universidades federais. E as universidades federais não podem rebaixar o seu
nível para se adequar ao conhecimento incipiente que o ensino fundamental
produz, sob pena de entregar à sociedade profissionais sem a devida
competência. Formamos pesquisadores e professores. Pesquisadores sem o
conhecimento devido não geram a tecnologia que traz conforto, e sem uma
tecnologia bem desenvolvida nos tornamos dependentes de outras nações.
Professores sem boa formação propagam a falta de conhecimento, criando um
círculo vicioso.
4- Problemas
do sistema educacional do país
O ensino
fundamental brasileiro precisa de uma reforma de longo prazo, para melhorar o
nível das escolas em todo território nacional. A educação de qualidade é a base
para uma sociedade bem estruturada. Com uma população bem-educada teremos rios
limpos, diminuiremos os índices de saques a caminhões tombados, teremos
economia energética, teremos melhores legisladores, teremos menos presídios. E
o nosso sistema tem dado prioridade à cadeia sobre a educação. Em vez de termos
campanhas de esclarecimento, visando a melhora do comportamento, temos penas
que jogam a população mais carente na cadeia. Em vez do esclarecimento, usamos
mais a palmatória. E o resultado é esse que se vê. Os países que menos
necessitam de presídios são os que têm os melhores níveis de educação. Nas
faculdades dessas escolas não se vê janelas que não se abrem, ar-condicionado
congelante, buracos nos tetos nem elevadores quebrados.
5- Problemas
na própria faculdade:
Entrando na
faculdade, os alunos se encontram com alunos de nível melhor do que os seus
colegas de até então. Como consequência, ficam com a impressão de não serem tão
competentes. Além disso, os professores desejam puxar o nível de conhecimento e
habilidade técnica para um patamar mais alto, querem formar profissionais de
alta qualidade, e isso causa nos alunos a falsa impressão de que são medíocres,
sem conhecimento. Parece que não eram tão bons quanto pensavam. Vem uma
tristeza, um desânimo, e a vontade de desistir. Isso não é um atributo do
Instituto de Física em particular, mas dos vários cursos em geral.
No entanto, nossos heróis lutam contra as próprias
fraquezas, superam suas tentações e continuam, quase como por inércia. Às vezes
parecem que estão abandonados pelos amigos. Quanto mais precisam deles, mais
eles se afastam, e quanto mais se acostumam com a solidão, mais eles se aproximam.
E assim, parecendo náufragos, eles chegam vitoriosos ao final do curso, e
querem comemorar com uma bela cerimônia, na presença daqueles que incentivaram
e torceram por eles.
6- Os professores fazem de tudo: reuniões
Os professores, no entanto, não são esses monstros que
pareciam ser. A grande maioria está firmemente preocupada com a formação dos
alunos. Vê-se isso claramente no contato nos corredores, nas reuniões do
departamento, onde discute-se longamente buscando a melhor solução para trazer
benefícios aos alunos. Se mostramos aos alunos o que eles não sabem, é porque
queremos que saibam mais. Se fazemos greves, é porque é o único recurso que
temos para lutar contra o sucateamento das universidades federais. A alegria de
todo professor é um aluno com uma vasta bagagem de conhecimento, e por isso nos
desdobramos anos após anos procurando uma forma de transmitir melhor o que a
humanidade desenvolveu ao longo dos anos, almejando, se possível, que todos os
alunos nos ultrapassem em qualidade, para reverter esse declínio do nível
educacional.
8- Estão
formados. E agora?
Muito bem! Estão formados. E agora? Felizmente que a
riqueza não é a prioridade de vocês, pois, se fosse, não teriam estudado
Física. São todos idealistas, e isso facilita muito. Têm uma vaga ideia das
possibilidades que se descortinam, e desejam ouvir a palavra de alguém mais
experiente. Me lembro de quando estava nessa situação, e perguntei ao professor
Henrique Fleming se poderia ter alguma esperança, já que as vagas eram tão
poucas e havia tantos bons concorrentes. Ele me respondeu sem hesitar que
muitos desistiam. E isso é uma grande verdade. Muitos dos meus bons colegas
partiram para atividades em áreas diferentes da Física, enquanto que eu fui
tentar o doutorado no Japão, como quem se joga do alto de um penhasco e diz
“seja o que Deus quiser”.
Recomendo fortemente que sigam a carreira acadêmica.
Vocês têm todos os requisitos para isso. Façam o mestrado e o doutorado, e
então aprenderão que não saber quase nada é o óbvio ululante. Vão ficar anos se
dedicando a um ramo de pesquisa que muitos poucos estudam, e vão entender que
julgar conhecer a área dos outros é pura soberba. Vão aprender a humildade de,
sendo doutores, saber perguntar e ter que ouvir explicações. Leiam o livro de
Feynman, um dos últimos grandes gênios da Física, onde ele aconselha que cada
um faça o que gosta, sem se importar com que os outros pensem. Sejam vocês
mesmos, e só assim contribuirão efetivamente para o mundo. O mundo nos cria
diferentes, cada um com sua função, e quando tentamos nos igualar em formas
padronizadas, deixamos de cumprir o papel que nos foi confiado, apodrecemos e
morremos. “Que importa o que os outros pensam?” é o título do livro escrito
pelo grande Feynman. Temos também o interessante depoimento de Artur Ávila. Não
existe um prêmio Nobel para a Matemática, e o equivalente a isso é a medalha
Fields. Artur Ávila é um jovem brasileiro ganhador dessa medalha, ou seja, um
Nobel brasileiro em Matemática, um dos melhores do mundo. Ele diz que a sorte
dele foi não ter estudado em Oxford ou Harvard, onde há muitos seminários de
muitos assuntos diversos, e onde as pessoas que estão preocupadas com ranking vão. No meu tempo, quando os
anglicismos eram mal vistos, em vez de ranking
dizíamos classificação. A classificação dos melhores times do campeonato, a
classificação das maiores empresas. Pois muitos cientistas têm por objetivo uma
boa classificação. Com essa finalidade, escolhem qual o colegial e a faculdade que
vão cursar. Artur Ávila não fez nada disso. Queria apenas entender mais, como
fazem os verdadeiros gênios. Ninguém se interessava pelo que ele pesquisava, e
ninguém se dava ao trabalho de olhar em detalhes as contas que ele fazia. O
resultado foi um trabalho original que lhe valeu o prêmio maior da Matemática:
a medalha Fields.
E quando vocês se tornarem grandes pesquisadores,
reverenciem quem se dedica ao ensino da Física. A pesquisa na área de ensino de
Física é essencial para estimularmos o desenvolvimento de pesquisadores de
qualidade. Reverenciem os que se dedicam à Filosofia da Ciência. Todos os
grandes gênios se importavam com a parte filosófica, e é lamentável que haja um
círculo de mentes medíocres perseguindo os especialistas da área de ensino e
filosofia. Nunca sejam um desses. Pelo contrário, estimulem e defendam esses
heróis, que zelam pelos pilares da ciência. E valorizem também a própria saúde.
Não adianta chegar já morto na praia. Os antigos já diziam que a sabedoria está
no equilíbrio dos opostos.
Talvez ficando importante vocês se tornem chatos. Como
Mendeleev, que fez a tabela periódica, que era tão chato que quando ele estava
na cidade a família ia para o campo, e quando ele ia para o campo a família ia
para a cidade. Cavendish, que mediu a massa da Terra, não gostava de pessoas.
Newton, o grande pai da Mecânica e do Cálculo, viveu isolado até ficar famoso.
Se vocês nos acham simpáticos, talvez seja porque não somos geniais o
suficiente.
Sejam competentes no que fizerem. Comuniquem aos alunos
e colegas as informações que precisarem ser comunicadas. Buscar desvendar a
ciência é buscar a verdade, por isso sejam sinceros. Tenham a modéstia de
consultar quem entende do assunto, pois o verdadeiro competente não é o que
acha que consegue tudo, mas o que sabe os seus limites. O verdadeiro competente
não se arvora a construir pontes que ruirão, somente por vergonha de dizer que
não sabe. O verdadeiro competente sabe o quanto não sabe, e isso o faz ir mais
longe. Vocês conseguiram chegar até aqui. Vocês irão muito mais longe. Meus
parabéns!
Excelente discurso!
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